Persépolis, de Marjane Satrapi (Ou “Como eu me apaixonei por quadrinhos”)
Quando terminei de ler Persépolis, da Marjane Satrapi, eu senti um baque: eu não queria ler mais nada, eu só queria mais e mais histórias sobre a Persépolis, sobre sua vida e sua cultura. Tanto que a solução foi comprar outra HQ da Marjane, Bordados; mas essa fica para um outro momento.
Persépolis é um livro que tem o poder da imersão, eu o li nos dias de carnaval e foi a melhor coisa que eu fiz, porque eu me senti povoada por aquelas histórias. Ao mesmo tempo que ficamos chocados com o sofrimento enfrentado pela sua família, pelos seus vizinhos e colegas e pela população iraniana como um todo, a narrativa tem umas sacadas humorísticas ótimas e uma ironia e um sarcasmo sob medida que dão a leveza que o livro precisa.
Mas eu acho que o mais relevante nessa HQ é justamente a desmistificação que ela proporciona em relação à cultura e à sociedade iranianas.
Nós costumamos enxergar o Irã (na verdade o Oriente Médio como um todo) como uma terra de pessoas condescendentes e submissas à religião, principalmente no que tange às mulheres. Ler Persépolis foi uma oportunidade incrível de perceber que isso não é uma realidade em massa, que muitas pessoas são contra esse sistema e essa religião estabelecida de modo opressivo.
Essa é uma história em quadrinhos autobiográfica sobre a vida da própria Marjane. A narrativa começa com Persépolis ainda criança, aos 10 anos de idade, em 1980, ou seja, um ano após a Revolução Islâmica que transformou o Irã numa República Islâmica Teocrática. Esse foi um período marcado por muita repressão (universidades foram fechadas e o uso do véu passou a ser obrigatório pelas mulheres, por exemplo). Somado a isso, ainda temos a guerra entre Irã e Iraque, que instaurou o medo e a insegurança em relação ao perigo iminente de bombardeios.
Temos, então, nesse momento da vida de Persépolis, muitas histórias tristes e revoltantes, muitas mortes e muita censura. No entanto, vemos também muita resistência.
E em relação à essa resistência, Persépolis era o que podemos chamar de garota “rebelde” e questionadora, o que começou a causar muitos problemas pra ela nas escolas (ela foi até mesmo expulsa de uma). Justamente por causa disso, seus pais resolveram mandá-la, aos 14 anos de idade, para a Áustria.
A partir disso, acompanhamos a adolescência de Persépolis como uma estudante estrangeira longe de sua família. Sozinha, ela precisa aprender a lidar e a se acostumar com uma cultura ocidental e completamente diferente da sua; e, ao mesmo tempo, a lutar internamente para não perder a sua identidade. E apesar da experiência e do autoconhecimento adquiridos, lá Persépolis enfrentou desde xenofobia até noites passadas na rua.
Mas depois de 4 anos morando na Áustria, Persépolis decide voltar para o Irã. Nesse período acompanhamos um choque cultural e uma crise de identidade na personagem. Nesse meio tempo, ela se reencontra, se perde e se reencontra de novo, o que é natural com qualquer pessoa ao longo da vida, mas que é muito marcante considerando toda a trajetória da Persépolis.
No fim das contas, eu poderia enumerar muitos pontos incríveis nessa HQ (escrita e ilustrada por uma mulher ❤), mas o mais maravilhoso pra mim foi mesmo poder enxergar a população iraniana com outros olhos e principalmente as mulheres. Elas não são meras vítimas ou então puramente resignadas à essa religião islâmica opressiva. E como a própria Marjane deixa exposto, a resistência dessas mulheres ocorre em atos que à primeira vista parecem muito pequenos pra nós ocidentais (quando não contrários ao nosso feminismo), como o uso de maquiagem, por exemplo; mas que são muito grandes para elas.
A verdade é que eu fiquei completamente apaixonada por esse livro (eu assisti ao filme inspirado na HQ quando adolescente. Gostei muito, mas a experiência da leitura foi muito mais intensa e completa), e como eu já disse, precisei comprar a outra HQ da Marjane pra tentar suprir minha necessidade de ter suas histórias em minha vida (ainda preciso ler Frango com Ameixas, mas confesso que me interessei menos por essa história por ela ser focada no tio-avô da Persépolis).
Além disso, eu também fiquei ávida de desejo por ler mais quadrinhos, principalmente escrito por mulheres. Inclusive, já tenho alguns na lista de desejos (A Origem do Mundo, O Muro, Entre Umas e Outras, Maus (que embora seja de autoria masculina, é uma das inspirações de Marjane), Fun Home e A Diferença Invisível, por exemplo).
Agora, quanto à Persépolis, só nos resta esperar que Marjane Satrapi nos presenteie com mais histórias incríveis!